Desafios para o Turismo Nacional

Artigo de opinião do Presidente da Comissão Directiva do COMPETE2020, Jaime Andrez

O paradigma económico que tendencialmente caracterizará o mundo em 2030 será, o de uma intensificação do fenómeno da globalização – anulando cada vez mais as distâncias físicas e dilatando a base concorrencial das empresas – cujas respostas competitivas assentam, sobretudo, na inovação, em todas as suas expressões, isto é, do processo, do produto, da organização e do marketing.

Potenciada pelo advento das tecnologias 4.0 (t4.0), a inovação tenderá a perder a sua manifestação individualizada e passará a assumir uma dimensão integrada, ou seja, envolvendo o modelo de negócio como um todo, desde a conceção à distribuição, passando pelo abastecimento, produção, armazenamento e gestão da informação (o conjunto de tecnologias consideradas 4.0, para efeitos de apoio do COMPETE2020 podem ser consultadas no site)

A atividade turística é privilegiada pela dinâmica destas tendências já que o conceito de inovação turística sempre incidiu no seu modelo de negócio.

Paralelamente, acelera-se e intensifica-se a mutação permanente dos quadros de referência competitiva, ao nível dos materiais – no turismo, os destinos – do produto, das preferências dos consumidores, da organização dos mercados e dos circuitos de distribuição.

Neste quadro, a dimensão competitiva das empresas assume cada vez mais uma dimensão virtual, isto é, não está circunscrita aos seus recursos – financeiros, humanos, tecnológicos e organizacionais – mas sim às competências e capacidade de intervenção internalizadas na empresa através de parcerias com instituições financeiras, de produção de conhecimento, de interface tecnológica, de seguro, de consultoria e de comunicação e marketing, entre outras.

É por isso que as PME poderão assumir competências através da partilha ou da cooperação, sem terem de internalizar departamentos ou recursos humanos correspondentes – assumindo assim apenas custos variáveis, ao invés de custos fixos que a sua dimensão não viabilizaria.

Mais uma vez, estamos no berço da conceção de produto que a atividade turística movimenta. Na verdade, a montagem das diversas componentes do produto turístico sempre exigiu parcerias estratégicas, pois serão raras as empresas que podem deter todos os elementos de animação, alojamento e transporte, que a composição do produto turístico comporta.

Falar do futuro é complexo, já que os quadros de referência se alteram rápida e constantemente. No caso particular do Turismo, essa complexidade é acrescida pela particularidade e diversidade dos elementos que caracterizam a atividade turística, múltipla e transversal, envolvendo vários setores para além daqueles tradicionalmente considerados como da “indústria turística”.

Aquela transversalidade promove o arrastamento de um conjunto de atividades económicas – mobiliário, electrónica, equipamentos de cozinha, materiais de construção, têxteis, entre outras, não esquecendo as indústrias criativas e de lazer – conferindo-lhe uma natureza estratégica que é potenciada por uma integração de políticas públicas que vão desde o ordenamento do território até à cultura, passando pela economia, e até pela saúde.

Acresce ainda à sua importância estratégica, a sua capacidade de geração de riqueza, através do VAB, das exportações e do emprego.

De pessoas para pessoas, promovendo a integração de experiências com locais, que ‘importa’ o consumidor na sua manifestação exportadora e com uma competitividade ‘em direto’, isto é, sem simulação prévia da qualidade do produto, já que entrega o produto em definitivo, a atividade turística assume, em paralelo, uma sensibilidade competitiva que não permite cometer falhas a corrigir posteriormente. Apenas a compensar, com cicatrizes não passíveis de uma ‘operação plástica’.

Como se disse, o produto turístico é um produto compósito de base territorial e multiterritorial (rotas entre regiões). O compósito envolve três componentes: a componente da animação, envolvendo eventos, gastronomia, praias, monumentos, paisagens, golf, enfim, tudo o que pode atrair um turista a um destino; a componente de alojamento que o turista necessita para uma estada superior a um dia, e que vai do hotel de 5 estrelas ao parque de campismo, passando pelo turismo rural ou de habitação local; e a componente de transporte, que vai do avião até ao barco, passando pelo autocarro ou carro, próprio ou alugado.

As composições diferentes destes elementos anímicos, de alojamento e transporte, dão lugar aos diferentes tipos de produtos turísticos, sendo que os proprietários são diferentes e têm de ser cada vez mais concertados em estratégias turísticas articuladas.

A trajetória de evolução do turismo na rota 2030 está condicionada pelas tendências da procura, em primeiro lugar, as quais poderão ser resumidas num mundo de incertezas imprevisíveis  (unknown unknowns), condicionando destinos e gerando uma ansiedade sobre a garantia de saúde e segurança.

A essa incerteza junta-se uma diversificação de preferências, interesses e gostos, muitos deles para serem satisfeitos em pouco tempo, em que acresce uma procura de experiências associadas à cultura e modos de vida de outros povos, onde as memórias substituem objetos físicos, mais para sentir do que ter e ver para conhecer.

A presença cada vez maior de jovens com elevada educação, solicitando aplicações para dispositivos móveis (Gerações Y e Z) e divertimento assente em realidades virtuais ou mesmo aumentadas, terá de ser satisfeita de uma forma eficaz.

Ainda no âmbito da procura, o crescimento do turista sénior (silver hair tourists), exige componentes complementares aos produtos turísticos, como hospitais e farmácias poliglotas e de qualidade, com prioridade para os turistas. Uma má experiência num hospital anula uma ótima experiência num hotel ou numa praia. Em definitivo.

Aquela procura determina uma necessária resposta do lado da “Oferta” que terá de assegurar uma vivência de experiências, em vez de uma oferta de serviço de hotel, respondendo à diversidade de grupos turísticos com soluções personalizadas no seio dos membros da mesma família; uma nova abordagem de fidelização do turista, através do uso de big data analysis e da utilização de canais digitais no marketing; uma imprescindível – sempre o foi – estratégia partilhada, assegurando a combinação das componentes do produto e a garantia de serviços de saúde, imagem social e a sustentabilidade de destinos, exigida por turistas informados e com cultura de responsabilidade e de exigência.

Quaisquer que sejam as respostas do lado da oferta, estas têm sempre de ser suportadas por recursos qualificados e produtos de qualidade superior, assegurando produtos diferenciados em relação a destinos concorrentes e indiferenciados que, pelas situações críticas que vivem hoje, deslocaram turistas para o nosso país mas que, um dia, necessariamente, irão recuperar parte deles. Importa que recuperem apenas parte, uma parte menor possível.

Naturalmente, a Oferta deverá beneficiar de um aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas ti4.0, designadamente através da adoção da realidade aumentada na animação; da integração de serviços com inteligência emocional, inclusivos e acessíveis a todos, incluindo aqueles que recorrem aos sistemas wearable para comunicar e interagir com o turista; da integração de serviços com a realidade virtual e a realidade aumentada, com cenários 3D e composição binocular, fotografia, vídeo, som e texto, para promoção de experiências imersivas do turista.

O desenvolvimento de aplicações de engagement com os turistas, permitindo o acesso, a customização e a segmentação de serviços, utilizando soluções de Business to Intelligence para uma análise em tempo real de Big Data e armazenamento de dados na Cloud, bem como a utilização da Internet of Things para conexão entre sistemas físicos e plataformas online, serão fundamentais para estratégias de comunicação e marketing.

A utilização das t4.0 irá implicar a alteração do perfil de emprego, prevendo-se a sua substituição por inteligência artificial e robôs, bem como a criação de novos associados à animação; em paralelo irão ser criados novos perfis de empregos associados designadamente à animação turística.

Essa adaptação estratégica implica investimentos que poderão, ao nível individual ou coletivo, ser apoiados no âmbito do Sistema de Incentivos e de outros instrumentos do COMPETE2020, de que destaco:

> Projetos Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica e Sistema de a Apoio à I&DT para a pesquisa de soluções inovadoras ao nível das comunicações, software, do cloud computing, da Internet das coisas ou dos grandes dados.

> Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva para a inovação das indústrias do setor das Tecnologias de Informação, Comunicação e Electrónica (TICE), e da sua transferência para as empresas de outros setores, com uma majoração 10% do Mérito Projeto nos investimentos no âmbito da i4.0. (o conjunto de tecnologias consideradas 4.0 próprias e propensas à atividade turística podem ser consultadas no site do COMPETE2020)

> Projetos de Qualificação e Internacionalização de PME prevendo a integração da TICE nas várias fases do seu ciclo de vida das PME não produtivos.

Tenho, assim, um grande otimismo relativamente ao futuro do Turismo português. Na verdade, ao longo dos últimos 20 anos, o turismo nacional, que é com quem diz, a Oferta, soube adaptar-se às alterações da Procura e da Tecnologia, crescendo continuamente e tornando-se no 1.º Destino Turístico do Mundo. Uma menção especial para o trabalho do Turismo de Portugal que foi mesmo considerado a melhor agência do mundo na promoção turística.

Importa é o território completar e acompanhar a qualificação dos elementos que compõem o produto e destino turísticos, assegurando o reforço do desejo de visitar o nosso país, garantindo a qualificação dos recursos humanos e a articulação de políticas públicas que influenciam a competitividade de Portugal.

Os recentes projetos candidatos ao COMPETE 2020 (AAC 07/SI/2017 e 08/SI/2017) – aderem já às ti4.0 – demonstram que os desafios atuais assumem mais a natureza de oportunidades do que ameaças. E não se pense que é um investimento só para grandes empresas. As micro e pequenas empresas assumem quase dois terços das empresas candidatas. (ver figuras abaixo).

Reforço, a expetativa do futuro do Turismo português é para mim de otimismo justificado e realista, em função da visão estratégica e da capacidade empreendedora dos empresários portugueses e dos portugueses enquanto empregados e anfitriões.

Projetos de Inovação Produtiva com parecer elegível do Setor do Turismo (AAC 07/SI/2017 e 08/SI/2017

Fonte: COMPETE 2020

 

 

 

 

 

22/03/2018 , Por Jaime Andrez