Há novas start-ups portuguesas a apostar nos mercados globais

Não estava no objectivo inicial da parceria com a Carnegie Mellon University, mas aconteceu: nasceram dez novas empresas até agora. E há mais candidatos a empresários a caminho dos EUA.

Foi no período mais crítico da economia portuguesa que a parceria estabelecida entre as universidades portuguesas e uma congénere norte-americana, a Carnegie Mellon University (CMU, na Pensilvânia) deu os seus frutos mais inesperados: nasceram dez novas empresas (start-ups), de elevada inovação, viradas para mercados globais, que criaram mais de 100 postos de trabalho altamente qualificado. Três delas, a Feedzai, a Mambu e a Veniam, já angariaram 26,8 milhões de dólares (24,4 milhões de euros) em diversas rondas de financiamento, para desenvolverem o negócio.

A história destas dez novas start-ups ainda vai no adro, com algumas delas à procura neste preciso momento de novos trabalhadores para contratar, em Portugal e no estrangeiro, como acontece com a Feedzai e a FollowPrice. E há alguns traços comuns entre elas: são projectos empresariais na área das tecnologias da informação e comunicação e resultam de projectos de investigação desenvolvidos no âmbito desta parceria transatlântica.

"Este foi um dos resultados inesperados", diz João Claro, director desde 2013 do programa CMU Portugal, que envolve a academia portuguesa, representada pelo Conselho de Reitores, e aquela universidade americana - classificada como a 24.ª no ranking mundial da revista Higher Times Education, publicada semanalmente em Londres e que é a principal publicação inglesa dedicada ao ensino superior.

"Se olharmos para os objectivos que estavam bem tipificados nos documentos iniciais (...) havia o objectivo de aumentar e de melhorar a qualidade da colaboração com as empresas portuguesas, porque a CMU tem um grande histórico a esse nível e é muito bem sucedida (...), mas o impacto de natureza empreendedora não era um objectivo à partida", sublinha o mesmo responsável. Então, o que aconteceu para se obter este resultado? "Quando se cria este ecossistema fértil, em que temos internacionalização, capacitação de recursos humanos, investigação, e se combinam estes e outros elementos, passamos a ter talento, modelos a seguir, fluxos de ideias e de pessoas entre empresas e academia e estes são os ingredientes para o empreendedorismo", responde João Claro.

Para estas e outras equipas que já passaram ou ainda vão passar pelo CMU Portugal - que volta a levar, dentro de algumas semanas, quatro equipas de empreendedores até aos EUA, para uma imersão que ajudará a consolidar uma ideia de negócio ou até mesmo a validar um produto -, o sucesso ainda não se mede por volume de facturação. São "projectos fortemente inovadores e com uma base tecnológica sofisticada, o que quer dizer que vão ter períodos de desenvolvimento e de amadurecimento, até aparecerem no mercado, a vender e a facturar com expressão", sustenta João Claro.

Tentativa e erro

Para lá dos programas doutorais, das parcerias com empresas - que permitiram desenvolver 25 projectos de investigação destinados a lidar com questões concretas de empresas já no mercado - e das diversas outras vertentes do programa CMU Portugal, as iniciativas de apoio ao empreendedorismo têm outra componente que pode ser decisiva.

De entre elas destaca-se a iniciativa inRes (Entrepreneurship in Residence), que permite aos candidatos a novos empresários uma imersão de dois meses nos EUA. É um programa de aceleração que, além de fornecer valiosos contactos, serve mesmo como teste de validação das ideias de negócio. Tem um aliciante extra: 50 mil euros de prémio, atribuído pela Caixa Capital, a uma das quatro equipas e, num horizonte mais alargado, mais 100 mil euros, a atribuir no prémio "Caixa Empreender Award".

A mais recente etapa de preparação do inRes aconteceu no Porto, nas instalações do INESC TEC, com diversos especialistas, incluindo Tara Branstad, do Centro para a Transferência de Tecnologia e criação de empresas da CMU. "Uma das mensagens que lhes tentámos passar agora é a de que no mercado americano se espera que sejam assertivos nos contactos que vão fazer" - não há mulheres nestas quatro equipas. "A cultura nos EUA é um bocado diferente", sublinha Tara Branstad. "Julgo que em Portugal se privilegia uma abordagem por contactos mais institucionais e não tanto uma abordagem directa", acrescenta. Cada país tem características próprias, contextos mais ou menos favoráveis e, segundo Branstad, a diferença fundamental é a de que nos EUA "há mais tolerância ao falhanço" do que em Portugal.

João Claro prefere outro ângulo: "O que nos falta é uma cultura de inovação". "Quando estamos a falar de inovação, o falhanço não é final; quando estamos a olhar para o futuro, não conseguimos ver claramente e isto é intrínseco à inovação, sendo o outro aspecto relevante o de termos de ser capazes de lidar com isto, o que não é fácil", defende.

Globalmente, a situação portuguesa até não parece má. Segundo o Global Entrepeneurship Monitor, um estudo mundial que avalia percepções e atitudes sobre empreendedorismo, os portugueses ficam acima da média da UE e dos EUA. Na mais recente edição - cujos dados regionais vão ser divulgados após o Verão -, foram inquiridos no planeta mais de 206 mil pessoas, com idades entre os 18 e os 64 anos, em amostras representativas. E quando questionados sobre se tencionam começar um negócio dentro de três anos, 15,8% dos portugueses disseram que sim, ao passo que nos EUA, disseram sim 12,1% - valor igual à média europeia.

Por que falham as start-ups?

Há vasta literatura académica sobre as razões que levam start-ups a falhar - e a maioria (mais de 75%) falha, dizem autores como Thomass Eisenmann, Eric Ries, Sarah Dillard ou Steve Blank. Causas mais comuns? Os fundadores desentendem-se, não conseguem concretizar a ideia, não obtêm financiamento ou o produto/serviço não tem interessados.

Frederick Lehmann, que já deu aulas de empreendedorismo nos EUA, em Lisboa e no Porto, destaca dois factores, "que estão relacionados", para explicar por que falham os projectos: "disponibilidade de recursos e capacidade de sofrimento".

"Quanto tempo se pode ficar sem receber salários?", é uma questão crítica, salienta Lehmann, porque , diz, "muitos destes projectos, por mais pequenos que sejam, têm cash flows negativos nos primeiros anos".

Uma das iniciativas do programa Carnegie Mellon University (CMU) Portugal chama-se inRes e leva equipas de empreendedores português até aos EUA.

Em breve, quatro equipas vão atravessar o Atlântico e desenvolver as ideias de negócio num mercado gigante e maduro. Antes da partida, ouvimos cada equipa a apresentar o seu elevator pitch (curta apresentação da ideia com o objectivo de convencer investidores ou clientes).

Adapttech (Porto)

Frederico Carpinteiro e Mario Sáenz Espinoza são ambos engenheiros biomédicos. O primeiro tem mestrado, o segundo um doutoramento. A start-up está incubada na UPTEC, da Universidade do Porto. O problema que identificaram tem a ver com a metodologia frequentemente utilizada para optimizar a adaptacção de uma prótese do membro inferior a um amputado. Em vez da tentativa-erro, que "leva a maus resultados" e "à repetição do procedimento", a Adapttech desenvolveu uma solução de adaptação inteligente para eliminar o erro. É uma ferramenta para técnicos de prótese e que aumenta o conforto para os amputados. Na prática? Uma "meia sensorizada" que é usada no coto para criar o perfil de pressão e temperatura no dia-a-dia, o que permite melhorar o encaixe.

Sceelix (Porto)

O último salário que Pedro Silva ganhou era de 1000 euros, como bolseiro de doutoramento. No mercado nacional poderia estar a ganhar 1500, ou quatro vezes mais se estivesse disponível para emigrar para a Suíça, diz. Mas tal como o seu colega, Francisco Rebello de Andrade (ambos engenheiros informáticos), abdicou dessa oportunidade em nome de uma ideia de negócio, uma solução que pretende melhorar o ambiente 3D em jogos. O problema que querem resolver é o dos que concebem ambientes 3D complexos para jogos, como cidadees ou florestas. A ferramenta que a Sceelix quer levar ao mercado permite maior qualidade, rapidez e eficiência na criação desses ambientes. Já há quem tenha mostrado interesse na solução, mas ainda não há validação. Estão nisto em quatro meses, começaram pelo mercado português e esperam que o mercado americano, que apresenta maior potencial, possa dar-lhes uma oportunidade a partir desta iniciativa do programa CMU Portugal.

Scarim (Porto)

Pedro Castro Henriques já não é propriamente um novato em start-ups. É o CEO da Strongstep, que nasceu na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e agora, com César Duarte, engenheiro informático, é um dos progenitores de uma nova spin-off da Strongstep. No fundo, uma filha da investigação vai dar à luz a sua própria filha. O produto da Scraim pretende resolver a falha no desenvolvimento de projectos. E "os problemas são quase sempre os mesmos", diz César Duarte - a falha de standardização e a não adopção das melhores metodologias. Por isso, propõem uma solução informática que permite gerir eficazmente projectos "de acordo com as melhores normas internacionais", sublinha Pedro. Proposta de valor? Um preço mais competitivo.

Playsketch (Coimbra)

Pedro Santa e Luís Pereira, ambos engenheiros informáticos, têm emprego e ainda não decidiram que cargo poderiam atribuir a si próprios na nova empresa que estão a criar. Assumem-se para já apenas como co-fundadores de uma empresa que pretende resolver um problema das pessoas que têm imaginação para criarem os seus próprios jogos, como miúdos. São muito poucos os criativos que têm capacidade técnica para criarem um jogo e a Playsketch pensou numa solução que, a partir de um desenho no papel, usa tecnologia para transformar a ideia num jogo. O produto é, em resumo, uma aplicação móvel, que através de desenhos no papel permite a qualquer pessoa criar o seu jogo. Uma das iniciativas do programa Carnegie Mellon University (CMU) Portugal chama-se inRes e leva equipas de empreendedores portugueses até aos EUA.

Fonte: Público.

 

06/08/2015 , Por Cátia Silva Pinto