Os fundos comunitários são estratégicos “para a promoção de uma atividade científica intensa e de ponta, em Portugal”
A propósito do Dia Internacional da Mulher, conversamos com mulheres a liderar a luta contra a COVID-19, algumas responsáveis por projetos cofinanciados pelo COMPETE 2020 como é o caso de Goreti Sales no âmbito do projeto TecniCOV.
Desenvolvido pela Universidade de Coimbra, este projeto visa criar uma solução de deteção expedita de anticorpos para o SARS-CoV-2, no soro ou na saliva, com resultados imediatos, produzida a baixo custo e numa escala global, satisfazendo assim a necessidade emergente de replicação mundial.
Goreti Sales | Responsável pelo projeto "TecniCOV"
1. Entrevista
1.1 O que a atraiu para o mundo da Investigação?
Algo muito simples: o facto de estar sempre pronta a aceitar novos desafios e de tentar fazer sempre o meu melhor, independentemente do benefício que isso possa trazer. O meu primeiro contacto com a investigação surgiu na sequência de dois colegas de faculdade me perguntarem, ainda quando era aluna, se queria candidatar-me (com eles) a um núcleo de jovens investigadores que um professor meu tinha criado. Na altura, disse logo que sim, pela investigação em si, algo que era muito distante de todos na época, e pela grande admiração que tinha por esse professor em particular. Aceitei o desafio e também o trabalho, que me manteve muito ocupada até ao culminar do meu doutoramento, muitos anos mais tarde.
1.2 Qual foi o momento mais emocionante no seu trajeto profissional?
Na verdade tive dois momentos desses. O primeiro foi a criação do BioMark, o grupo de investigação que fundei em 2011, com 5 alunos de doutoramento e quase nenhum dinheiro, contando apenas com o apoio do presidente da escola onde lecionava na altura, o Instituto Superior de Engenharia do Porto.
Foram momentos difíceis, de muita responsabilidade, com muitos desafios, a exigirem sempre muito empenho e muita criatividade (a baixo custo), mas que me trouxeram uma oportunidade de crescimento pessoal/profissional maravilhosa, incrível e única.
O segundo foi ter recebido a minha bolsa ERC (Starting Grant, 3P's) em 2012, algo que me levou ao limite em termos emocionais aquando da candidatura. Senti então que o meu gosto pela ciência e a minha capacidade de trabalho científico não tinham limites.
1.3 E qual foi o desafio mais interessante de superar?
Conseguir implementar a tecnologia que propus na bolsa ERC. Foi algo muito disruptivo, que trouxe enormes desafios, enfrentou muitos obstáculos, mas que também originou muita alegria quando percebemos que a ideia antecipada funcionava.
1.4 E gerir num contexto de pandemia mundial causada pelo novo coronavírus COVID-19... qual o segredo?
Para mim tem sido fácil, mas envolve sempre muito trabalho, que é algo que não me acanha. O BioMark cresceu muito rapidamente e tornou-se difícil acompanhar todos os trabalhos de forma sustentada. Para resolver esta dificuldade, e seguindo a sugestão de algumas das pessoas que trabalhavam comigo na altura, comecei a agendar reuniões periódicas com todos os bolseiros, organizados em grupos de trabalho de acordo com o projeto em que se incluíam. Esta organização em reuniões científicas para discussão de resultados e alinhamento de cada trabalho dura até hoje, também na Universidade de Coimbra, com uma periodicidade semanal ou quinzenal, conforme adequado. Por isso, tenho conseguido estabelecer a gestão das atividades científicas mantendo a mesma modalidade de reuniões, que agora se realizam de forma virtual.
Na verdade, importa dizer que a gestão continua, mas também sinto falta de estar com as pessoas no dia-a-dia. Esse acompanhamento diário é crucial para consolidar os laços afetivos entre todos os membros da equipa, fomentar a solidez do grupo como um todo e contribuir para a motivação de todos para com os objetivos do grupo. Mas é nesta fase que o mundo se encontra e ainda bem que há ferramentas eletrónicas que nos permitem avançar com o nosso trabalho.
1.5 Que projetos têm em cima da mesa?
Nesta fase estou envolvida em dois projectos da ANI/COMPETE2020 dedicados à COVID-19, que são o TecniCov e o Eco2Covid.
> O TecniCov visa desenvolver biossensores para a monitorização de anticorpos para o SARS-CoV-2, algo que será muito útil para estratificar a população e identificar, por exemplo, quem tem resposta imunitária após vacinação.
> O Eco2Covid envolve o desenvolvimento de biossensores para o vírus em águas residuais, uma estratégia que é útil para uma antecipação epidemiológica ao avanço da pandemia.
Tenho também três projetos internacionais, de dimensões diversas.
> Um deles é o projeto MindGap, Europeu/H2020, aprovado numa call FET-Open que é muito competitiva. Este projeto é mesmo "fora da caixa", pois pretende encontrar ferramentas para monitorizar a Saúde, um conceito que por si só é uma disrupção para com a realidade que vivemos hoje. A ideia base é perceber como é que com a mente alguém pode melhorar a sua condição de saúde, usando neste caso a meditação, e desenvolver um dispositivo que permita perceber essa condição de saúde em cada um de nós. O projeto MindGap envolve 5 parceiros europeus, um deles também português, o IPO do Porto, e é coordenado pela Universidade de Coimbra.
> Tenho também o projeto ERA-Net (JPCofund) OligoFIT, coordenado pela Universidade de Oxford/UK, no qual o nosso contributo se baseia no desenvolvimento de novos biossensores para biomarcadores associados à doença de Parkinson.
> O terceiro projecto é um projeto FCT/CAPES, com a Universidade Federal de Manaus, que tem estado pendente uma vez que a permuta de investigadores entre Portugal e o Brasil não é prudente nesta fase.
1.6 A sua experiência com os Fundos da União Europeia… fizeram a diferença?
Sim, toda a diferença. A minha evolução científica esteve sobretudo alicerçada em projetos europeus ou projectos nacionais que envolvem financiamento europeu, nomeadamente os de copromoção que permitem alavancar projetos de cariz nacional. Sem a dimensão financeira destes projetos e a visão arrojada que permitem, não teria evoluído de uma equipa de 5 elementos em 2011, para cerca de 25-30 investigadores desde 2014. Estes fundos são estratégicos e fundamentais para a promoção de uma atividade científica intensa e de ponta, em Portugal.
2. Resumo Biográfico
Goreti Sales licenciou-se em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, em 1994, e doutorou-se em Química Analítica, também pela Universidade do Porto, em 2000, tendo ainda realizado provas de Agregação em Engenharia Química e Biológica na Universidade do Minho, em 2017. É professora associada no departamento de Engenharia Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, desde janeiro de 2020, tendo lecionado entre 1998 e 2019 no Instituto Superior de Engenharia do Porto.
É fundadora e coordenadora do BioMark sensor research do centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, coordenando o grupo BioMark@UC (https://biomark-uc.eu), atualmente com 16 investigadores, e integrando a equipa do BioMark@ISEP, liderado agora por Felismina Moreira. Coordena vários projectos de investigação, nacionais e internacionais, dedicados ao desenvolvimento de novos materiais de reconhecimento molecular e de novos sistemas (bio)sensores, com aplicação em várias áreas de interesse na nossa sociedade, especialmente a Saúde.
3. Links
Artigo “SARS-CoV-2: testes rápidos a caminho”
Universidade de Coimbra | Website
08/03/2021 , Por Cátia Silva Pinto
Portugal 2020
COMPETE 2020
União Europeia