FireAI: o sistema de deteção (precoce) de incêndios florestais inteligente

«O objetivo foi ambicioso: desenvolver uma solução de deteção de incêndios florestais de elevada eficácia que permita ser amplamente implementada, de forma a garantir a cobertura, o mais eficaz possível, de uma qualquer área florestal, independentemente da sua morfologia. Eficácia, simplicidade e custo reduzido, são claramente as três premissas da solução desenvolvida, explicam Pedro Vieira, Research Director e Rui Almeida, Product R&D Specialist na Future Compta.
 
 
1. Enquadramento
 
Todos os anos, em todas as localizações geográficas em que predomine o sol e o calor (nomeadamente o Sul da Europa), o risco de serem assolados por incêndios florestais é real e assustador. Estes fenómenos extremos causam avultadíssimos prejuízos materiais e patrimoniais, económicos e representam uma ameaça clara para a biodiversidade e para a própria vida das pessoas que vivem em proximidade com a floresta. 
 
Com o inequívoco aquecimento global, estes eventos vão-se tornar mais frequentes por um lado, por outro, ainda mais severos. Estima-se que as latitudes em que podemos esperar acontecimentos deste tipo mudem significativamente, alcançando grandes porções de território até aqui poupados a este flagelo (vide incêndios no Reino Unido e França dos últimos dias). 
 
Deste modo, torna-se imperativo para os países e para as comunidades transnacionais como a EU, adaptar estratégias de mitigação prévias no combate a este problema. 
 
Dada a natureza dos fenómenos em causa, qualquer estratégia séria deve assentar sobre dois pilares: a prevenção e a deteção precoce.  
 
No plano da prevenção, cada vez há mais estudos discutindo a importância do ordenamento e limpeza do território florestal. Embora não haja nenhuma dúvida sobre a importância deste assunto, no mundo real este é um objetivo muitas vezes inalcançável. Por esse motivo, é importante que não nos esqueçamos que todos os incêndios são pequenos antes de se tornarem grandes, mas apenas durante poucos minutos. Esta realidade quase óbvia sublinha a importância da deteção precoce na supramencionada estratégia, e é aqui que se destaca o FireAI. 
 
2. Entrevista a Pedro Vieira, Research Director e Rui Almeida, Product R&D Specialist na Future Compta 
 
   
Pedro Vieira | Research Director               
Rui Almeida | Product R&D Specialist
 
2.1 Como nasceu o projeto FireAl? Quais foram as principais motivações?
 
O projeto "FireAI - Intelligent Forest Fire Detection Solution" nasceu com o objetivo de desenvolver um sistema de deteção de incêndios florestais inteligente, que conseguisse conjugar duas vertentes: 
 
i) deteção altamente fiável de incêndios em fase inicial, mesmo sobre as mais variadas e adversas condições de terreno, atmosféricas e ambientais e 
 
ii) implementação fácil, simples e, principalmente, de baixo custo. 
 
O objetivo foi claro e, inequivocamente, ambicioso: desenvolver uma solução de deteção de incêndios florestais de elevada eficácia (taxas de deteção de fogos reais próximas dos 100% e, complementarmente, taxas de falsos positivos, próximas de 0%), que permita ser amplamente implementada, de forma a garantir a cobertura, o mais eficaz possível, de uma qualquer área florestal, independentemente da sua morfologia. Eficácia, simplicidade (com foco na componente sensorial) e custo reduzido, são claramente as três premissas da solução desenvolvida.
 
De uma forma simples, pretendeu-se desenvolver um sistema que "simulasse" não somente um operador humano altamente qualificado na análise de imagens, a olhar ininterruptamente para um ecrã a transmitir imagens em contínuo, de múltiplos ângulos, de uma floresta de qualquer dimensão, cruzando com elementos adicionais de dados morfológicos, atmosféricos e ambientais do campo de supervisão pretendido.
 
 
2.2 O que considera ser o elemento diferenciador do projeto?
 
Definimos como principal abordagem a utilização de câmaras de vídeo básicas. Um sofisticado sistema de análise de imagem, baseado em redes neuronais profundas (deep learning), recebe destas câmaras as imagens e processa-as, identificando colunas de fumo de acordo com o contexto. A aplicação destas técnicas, simplisticamente apresentadas nestas duas linhas, resultou numa clara contribuição para o estado da técnica nas áreas visadas pelo projeto, como comprovam as duas publicações científicas que dele resultaram. 
 
No sector em que se insere, o dos detetores remotos de incêndios florestais, o FireAI apresenta-se disruptivamente sob duas vertentes: 
 
- Por um lado, a utilização de simples câmaras de vídeo que, no limite poderão dispensar sistemas motorizados para cobrir os 360º, sendo essa mesma cobertura realizada pela conjugação de imagens provenientes de 3 ou 4 câmaras.  
 
- Por outro lado, e também de uma forma disruptiva, pretende-se continuar a apresentar ao mercado o primeiro sistema de deteção de incêndios autónomo, cuja deteção é realizada através de um sistema inteligente baseado em redes neuronais convulsionadas. Taxas de deteção de fogos florestais elevadas e, não menos relevante, baixas taxas de falsos positivos, ambas em ambiente real de utilização e não laboratorial, são também os avanços identificados para o projeto. 
 
Não menos relevante que o progresso técnico-científico logrado no decurso do projeto, contabilizamos o conhecimento obtido, que também se divide em dois caminhos. Por um lado, tudo o que foi aprendido pela aplicação de técnicas avançadas de processamento de imagem e controlo de sistemas; por outro, a criação de uma base de dados anotada e catalogada, que virão certamente a demonstrar a sua aplicabilidade a outros temas. 
 
Em suma, o projeto "FireAI" visou a resolução de um conjunto de incertezas técnicas e tecnológicas de grande relevância, as quais resultam em claros avanços, o que apenas foi possível concretizar fruto do conhecimento e competências da BEE2FIRE, mas também da realização de atividades de Investigação, devidamente suportadas por uma atividade inicial de estudos e desenvolvimento de novos conhecimentos. 
 
 
2.3 Quais foram os principais desafios com que se depararam no desenvolvimento do projeto?
 
O projeto FireAl, apresenta uma abordagem disruptiva e um conjunto de desafios técnicos e tecnológicos, os quais encerram múltiplas incertezas só passíveis de ultrapassar com recurso a um conjunto de atividades de investigação.
 
O objetivo do projeto foi a construção de um sistema de deteção de incêndios, na sua fase inicial, que fosse de baixo custo, mas que ao mesmo tempo apresentasse elevada eficiência na identificação de incêndios florestais e uma reduzida taxa de falsos alarmes.
 
De uma forma macro, passa pela capacidade de criar um modelo de Deep-Learning com a capacidade de identificar de forma assertiva e fiável, a existência de um incêndio, tendo por base imagens de vídeo de florestas, obtidas em tempo real, 24/24, 365 dias por ano.
 
Traduzia-se na seguinte incerteza: seria possível desenvolver um sistema inteligente que conseguisse identificar as inúmeras variantes de imagens de colunas de fumo e conseguisse lidar de forma autónoma com as mais variadas condicionantes que pudessem interferir com a mesma, como condições meteorológicas, existência de fumos orgânicos, existência de nuvens, ou mesmo arrastamento de fumos de incêndios nas proximidades? Quão fiável seria o modelo? Seria possível ensinar o mesmo a ultrapassar estas condicionantes de forma a garantir a elevada taxa de deteção e a baixa ou inexistente taxa de falsos positivos?
 
Também, existe a vertente de recolha das imagens, isto é, seria possível ao sistema conseguir este nível de interpretação com imagens recolhidas por câmaras vídeo "simples", de baixo custo e de baixa resolução de custo controlado e resoluções limitadas?
 
Seria o sistema capaz de cruzar informação de diferentes câmaras, isto é, conseguir-se-ia desenvolver um sistema com a inteligência para identificar que uma mesma coluna de fumo está a ser detetada por mais do que uma câmara e, com base nessas duas diferentes perspetivas, alcançar uma resposta muito mais assertiva?
 
Adicionalmente ainda a incerteza da capacidade de processar toda a informação em tempo útil. Tal incerteza endereçou duas diferentes vertentes:
 
I) as plataformas cloud sobre as quais se pretendia desenvolver a solução e cujo desenvolvimento ainda não estava totalmente estabilizado, mas sobre as quais a empresa não tinha à data naturalmente total controlo 
e
II)  diretamente ligado aos trabalhos no projeto, teria o modelo a desenvolver o desempenho necessário a esta pronta resposta?
 
Para minimizar os riscos, para além dos conhecimentos que se foram desenvolvendo e se têm vindo a desenvolver no âmbito de sistemas inteligentes e dos trabalhos de estudo que estiveram na base da definição do presente projeto, é de realçar a extensa base de dados de imagens florestais com e sem incêndios que esta já possui, a qual garantiu logo de início uma excelente base de ensinamento ao modelo que se desenvolveu e que faz hoje parte de uma solução estável adotada por muitos clientes públicos e privados que utilizam a solução para proteção de todo o planeta
 
2.4 De entre os resultados alcançados, há algum que gostariam de destacar?
 
Os melhores resultados do ponto de vista de toda a equipa que tem participado no desenvolvimento deste tipo de algoritmos e tendo em conta o propósito global já referido, são sempre medidos pelo reconhecimento do mercado que pode efetivamente beneficiar deles, sendo que o FireAi é hoje em dia usado comercialmente por clientes públicos e privados e pelo reconhecimento da comunidade científica em geral. 
 
Sobre o reconhecimento da comunidade científica destacamos duas publicações que são bastante citadas no panorama internacional, sendo uma delas a 4ª mais citada na revista Fire nos últimos 12 meses:
 
 
Deixamos igualmente a referência às duas publicações mencionadas:
 
 
O melhor resultado é sempre aquele que nos indica que estamos no bom caminho.
 
 
3. Apoio do COMPETE 2020
 
O projeto contou com o apoio do COMPETE 2020, no âmbito do Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, envolvendo um investimento elegível de cerca de 734 mil euros, o que resultou num incentivo FEDER de cerca de 420 mil euros.
 
 
4. Links
 

27/07/2022 , Por Cátia Silva Pinto
Portugal 2020
COMPETE 2020
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