BioHigh - Produzir combustíveis sintéticos de elevado rendimento a partir do biogás

Entrevistamos Duncan Paul Fagg, Investigador Principal na Divisão de Pesquisa em Nanotecnologia do Centro de Tecnologia Mecânica e Automação (TEMA) da Universidade de Aveiro, e responsável do projeto BioHigh, que nos falou dos deafios que enfrentaram no desenvolvimento do projeto bem como do seu  interesse social e económico-financeiro e da importância do apoio do COMPETE 2020.
   
Como nasceu o projeto BioHigh? Quais foram as principais motivações?

O biogás é formado pela decomposição biológica de resíduos biodegradáveis como a biomassa, os resíduos urbanos e industriais bem como os municipais advindos da atividade humana (esgoto, resíduos orgânicos domésticos, entre outros). Cerca de 50-75 % da sua composição é constituída por metano (CH4), sendo o restante essencialmente dióxido de carbono (CO2) bem como alguns vestígios de sulfeto de hidrogénio (H2S). Por este motivo, apesar de ser considerado um combustível renovável, os seus maiores constituintes (CH4 e CO2) são gases de efeito de estufa que contribuem fortemente para o aquecimento global no caso de não serem devidamente mitigados. Para além disso, o elevado conteúdo de CO2 presente no biogás reduz o seu poder calorífico, impedindo que seja utilizado diretamente para a rede de distribuição de gás natural, reduzindo simultaneamente a eficiência da produção de eletricidade gerada através do processo de combustão convencional. A superação destas dificuldades não é economicamente viável sem a intervenção de subsídios governamentais.

Ao invés de considerar um dos principais componentes do biogás como um obstáculo, o presente projeto utilizou o elevado conteúdo de CO2 para realizar a reforma CO2 / CH4 a temperaturas elevadas, com o intuito de produzir gás de síntese (CO + H2). Este é assim enriquecido por via eletroquímica, aumentando o seu conteúdo de hidrogénio. A mistura formada é então adequada para a sua conversão em combustíveis sintéticos, como o metanol, os alcanos, o éter dimetílico e o petróleo sintético, que podem ser usados diretamente na infraestrutura de transporte/energia.

   
Quais foram os principais desafios com que se deparam no desenvolvimento do projeto?

A reforma do biogás (CO2/CH4) convencional é propensa à formação de carbono devido à reduzida razão de H/C na sua composição. As composições típicas de biogás ocorrem na região da deposição de carbono a temperaturas inferiores a 1200K e este fator é aumentado com a redução da temperatura e/ou com o aumento do conteúdo de metano presente no mesmo. A prevenção da deposição de carbono é normalmente realizada pela adição de excesso de oxidante ou limitando a cinética da reação. No entanto, a primeira solução não é a mais adequada uma vez que diminui o poder calorífico do gás de síntese obtido devido ao aumento de conteúdo de CO2 presente. A alteração da cinética da reação requer um conhecimento profundo sobre o desenvolvimento do catalisador mais apropriado, sendo este limitado pela elevada variação da composição do biogás presente nas correntes de entrada e ao longo do tempo.

Por isso, o presente conceito ultrapassa esta limitação, alterando a composição do gás presente, modificando o limite da deposição de carbono através da bombagem eletroquímica do hidrogénio na mistura da reforma. A transferência eletroquímica do hidrogénio para a mistura da reforma aumenta a razão final de H/C do gás de síntese formado, permitindo a formação de um combustível sintético com maior poder calorífico usando a síntese de Fischer Tropsch, sendo por esta razão extremamente vantajoso.

   
Qual o potencial de transferência de conhecimento para o mercado do BioHigh O UE programa Horizonte 2020 destacou seis desafios sociais específicos que representam o foco do financiamento europeu nas próximas décadas de acordo com a sua importância social. Uma delas é "a transição para um sistema de energia confiável, sustentável e competitivo, de modo a enfrentar a escassez de recursos, o aumento do consumo energético e as alterações climáticas”. O projeto BioHigh respondeu a esta diretiva, uma vez que é dedicado à conversão de dois gases de efeito estufa, usando apenas vapor de água e energia renovável como correntes de entrada, para formar combustíveis sintéticos renováveis, como metanol, os alcanos, o éter dimetílico (DME) e o petróleo sintético. Estes podem ser usados diretamente nas infraestruturas de energia e transporte já existentes.  Este projeto é extremamente atrativo uma vez que valoriza os resíduos convertendo-os em combustíveis de elevado interesse quer do ponto de vista social bem como económico-financeiro.
   

 

Qual o contributo do COMPETE 2020 para o desenvolvimento deste projeto?

O COMPETE 2020 tem sido um parceiro fundamental no desenvolvimento deste projeto de investigação e inovação (I&I).  O financiamento obtido permitiu empregar dois jovens investigadores para trabalhar neste projeto durante a sua duração, um dos quais posteriormente ingressou num programa doutoral. Desta forma, promoveu a aquisição de diversas competências por parte destes investigadores, permitindo posteriormente a sua integração no mercado de trabalho, tanto em ambiente industrial como académico, valorizando o desenvolvimento da ciência em Portugal. Para além disso, o apoio financeiro permitiu adquirir novos conhecimentos sobre o conceito disseminado em diversas publicações científicas e conferências internacionais. O COMPETE 2020 contribuiu para obter a infraestrutura necessária para a realização da prova de conceito bem como para construção de um protótipo laboratorial, permitindo a continuidade de aquisição de conhecimento fundamental neste ramo de investigação.

 

O Apoio do COMPETE 2020

Trata-se de um projeto promovido pela Universidade de Aveiro e conta com o apoio do COMPETE 2020 no âmbito do Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica, envolvendo um investimento elegível de 199 mil euros o que resultou num incentivo FEDER de cerca de 169 mil euros.

 

22/01/2020 , Por Miguel Freitas
Portugal 2020
COMPETE 2020
Europa