Agricultura inteligente: Desenvolver tomates mais eficientes na captação de zinco
Entrevistámos Pedro Humberto Castro, investigador do BIOPOLIS-CIBIO sobre o TomaZinco, um projeto inovador que utiliza técnicas avançadas de biologia molecular e biotecnologia para otimizar a absorção e distribuição do zinco nas plantas e frutos. |
1. Enquadramento
A agricultura inteligente é fundamental para um futuro sustentável. O uso de plantas com melhor desempenho, seja para resistir a falta de nutrientes no solo ou para enriquecimento com nutrientes importantes para a alimentação humana, é essencial nesta estratégia.
O projeto TomaZinco é uma iniciativa inovadora e multidisciplinar que aborda este problema, focando especificamente no zinco, um nutriente essencial para a vida humana.
Este projeto terá um impacto imediato em todo o país pois, para além da falta de zinco nos solos portugueses afetar negativamente a produção agrícola, Portugal é um dos principais produtores na Europa de tomate.
A introdução de tomates enriquecidos com zinco tornará este alimento ainda mais saudável para todos, especialmente para aqueles que sofrem de deficiência deste micronutriente, evitando assim a necessidade de tomar suplementos medicamentosos. Para garantir o sucesso deste projeto, o TomaZinco utiliza várias estratégias avançadas de biologia molecular e biotecnologia para estudar e melhorar a absorção de zinco pelas plantas e a sua posterior distribuição nos frutos.
Além disso, ao aumentar a capacidade das plantas de absorver o zinco do solo, torna-se desnecessária a fertilização, tornando o processo mais sustentável.
2. Entrevista | Pedro Humberto Castro - BIOPOLIS-CIBIO
2.1 Como nasceu o projeto TomaZinco?
A linha de trabalho teve início com a investigadora Ana Assunção, atualmente na Universidade de Copenhaga (Dinamarca) e Co-PI do projeto TomaZinco, que estabeleceu as bases moleculares de como as plantas percecionam e regulam o zinco através dos fatores de transcrição F-bZIP. Após determinar o mecanismo molecular, houve um interesse em transferir o conhecimento para plantas de importância económica, dando origem ao projeto TomaZinco. Mais concretamente, o projeto TomaZinco focou-se no tomateiro como modelo de estudo tentando determinar como o zinco é regulado nesta planta e de que forma se poderá potenciar a tolerância à deficiência de zinco, bem como enriquecer o conteúdo de zinco nos frutos.
2.2 Quais foram as principais motivações?
A carência nutricional é um problema grave a nível mundial que não tem a ver unicamente com a falta de calorias. Na verdade, a deficiência de micronutrientes é um problema transversal a muitos países pelo consumo de “alimentos vazios”, ou seja, muitas vezes ricos em calorias, mas desprovidos de minerais/vitaminas. O zinco, o ferro, o iodo e a vitamina A destacam-se como os micronutrientes cuja carência é mais recorrente na dieta humana e que acaba por provocar doenças gravíssimas. O zinco, em específico, é importante para o funcionamento dos organismos vivos por atuar como cofator em muitas reações enzimáticas ou como componente estrutural de moléculas.
Para as plantas, a falta de zinco é também um problema. Ao explorar mecanismos celulares e moleculares de absorção e perceção de zinco em plantas é possível responder a vários problemas. Primeiramente, será possível tornar as plantas mais eficientes em captar e tolerar deficiência de zinco no solo, e também aumentar os níveis de zinco interno de forma a biofortificar naturalmente os alimentos vegetais e sem recorrer a fertilizantes/suplementos.
2.3 O que considera ser o elemento diferenciador do projeto?
O que tornou o projeto TomaZinco invulgar foi a combinação de estratégias de biologia molecular, genómica funcional, edição de genoma e exploração de recursos genéticos nacionais. Com o projeto TomaZinco foi possível estudar a função de genes envolvidos na perceção e resposta à presença de zinco em tomate e noutras solanáceas (p.e., batateira e pimento). Se desligar o sensor molecular de zinco (i.e., edição de genoma via CRISPR-Cas9), a planta estará sempre a “pensar” que está sem zinco, e assim estará a bombear zinco constantemente para o interior da planta através de transportadores membranares de zinco. Por outro lado, com a exploração dos recursos genéticos nacionais preservados no Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV, INIAV-Braga), mais precisamente na coleção de tomate nacional, foi possível explorar variedades mais ricas em zinco e fazer alguma associação com os mecanismos moleculares de resposta anteriormente descobertos.
A combinação destas estratégias assentes em biologia funcional com rastreio de coleções de variedades tradicionais permite estabelecer antigas e novas variedades para solucionar o problema da carência de zinco. O sucesso do projeto TomaZinco abriu portas para estabelecer estratégias robustas de resposta a problemas concretos de carência nutricional, que poderão ser usadas no melhoramento moderno de plantas de interesse.
2.4 Quais foram os principais desafios com que se depararam no desenvolvimento do projeto?
Dada a complexidade do projeto TomaZinco é fácil prever que algum contratempo pudesse surgir. Uma das tarefas hercúleas do projeto foi crescer e caracterizar 100 acessos da coleção do BPGV. Com o início do projeto atrasado, as plantas foram crescidas no final da primavera e este desfasamento levou a que as plântulas jovens fossem expostas a temperaturas altíssimas num momento precoce e, desta forma, comprometendo o crescimento das plantas. Tivemos que repetir o processo no ano seguinte no período ideal de crescimento, com o resultado de um tomatal incrível com diferentes variedades, únicas em aroma, forma, textura e conteúdo de micronutrientes.
Outro desafio, transversal a muitos investigadores entre 2020 e 2022, foi provocado pelas restrições impostas no combate à pandemia de Covid-19. As limitações de acesso a nível laboratorial provocaram grandes entraves na implementação e progresso das estratégias de biologia molecular.
2.5 De entre os resultados alcançados, há algum que gostariam de destacar?
Primeiro destaco que o mecanismo para perceção do zinco é conservado em plantas e poderá ser a plataforma para controlar os níveis de zinco nos alimentos e assim biofortificá-los. No entanto, o potencial inerente poderá levar muito mais além uma vez que as estratégias implementadas durante o projeto TomaZinco poderão ser aplicadas a outras plantas ou a outro tipo de nutriente. O melhoramento genético e informado será a chave para produzir/descobrir plantas tolerantes a condições ambientais extremas e à erosão e má qualidade dos solos.
Em tempos de necessidade e de desafios que as alterações climáticas irão provocar, será importantíssimo atuarmos em várias frentes, nomeadamente investir em investigação funcional de plantas, biotecnologia vegetal de ponta e um forte movimento de preservação do património genético nacional.
3. Apoio
O projeto TomaZinco, cofinanciado pelo COMPETE 2020 no âmbito do SAICT - Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica, envolveu um investimento elegível de cerca de 200 mil euros, o que resultou num incentivo FEDER de cerca de 170 mil euros.
4. Links
24/08/2023 , Por Cátia Silva Pinto
Portugal 2020
COMPETE 2020
União Europeia
COMPETE 2030